MARCIO CAMARGO COSTA
(Florianópolis, 1939) é engenheiro agrônomo (UFPR), especialista em Produção Animal (Caen, França) e mestre em Zoologia (UFRGS).
Publicou Adeodato (Florianópolis: Edições Sanfona, 1985), um interessante poema sobre a Guerra do Contestado; seguiram-se os seguintes livros de contos: O gaudério de Cambajuva (Florianópolis: FCC Edições/ Jornal O Estado, 1986), A caudilho de Lages (Florianópolis: Lunardelli, 1987) e Qitéras (Florianópolis: Editora da UFSC/Letras Contemporâneas, 1994).
“
“No universo da literatura catarinense, Márcio Camargo Costa' é um ilustre desconhecido, embora escritor de talento. Seja por carregar o rótulo redutor de "regionalista", seja por estar ausente da cultura fractal que envolve o espetáculo midiático, seus livros costumam ser ignorados — tanto por seus conterrâneos, quanto pela crítica catarinense”.
Raul José Matos de Arruda Filho
COSTA, Marcio Camargo. Adeodato. Florianópolis: Edições SANFONA, 1989 [folha dobrada em quatro páginas] São 14 folhetos em uma caixa de plástico) Tiragem 200 exemplares.
Ex. bibl. Antonio Miranda
2
O TROPEIRO
Adeodato
Quantos?
Quatro paus
Fazem a cangalha
Os bastos da tiririca
Baxeiro bom é de lá oveira
Barigueira bem apertada
Bruacas de boi brasino
Três arrobas cada
Ligal de couro de capado
Sobrecarga, dez quilos,
Na arreata bem cinchada
Cincerro lageano roubado
No pescoço do burro gateado.
“Tropa mais bonita haverá?”
“Meu filho, segue teu povo
A sina dele será a tua
A tua sina a dele será!”
4
O REDUTO
Adeodato
Essa terra é santa
Santa Maria
Da fé desesperada
Último reduto da fome
Do horror e das mortes
Das noites de consolo
Na ressurreição dos consortes.
Terra sagrada
Santuário do Sertão
Será sepulcro dos peludos
Ou o final d provação?
Adeodato no recuo
Que lá vem Potiguara
Capitão valente e superior
Que tem nojo de jagunço
“Uma raça inferior!
Fogo nessa corja de jaguara!”
Pé-redondo invade e não pára
Incendeia, mata e dispara.
“Pai, até quando isso vai dura?”
“Meu filho, pobre do teu povo
A sina dele será a tua
A tua sina dele será!”
5
A FUGA
Adeodato
Foge!
Teu povo findou
Nas mãos de Setembro
Pelos canhões de Potiguara
E nas fogueiras de Rosinha
Estômagos comidos pela fome
Gritos inúteis cortados pela Lumber
O que sobrou trem de ferro levou
Amontoado feito gado
Escravos deportados
Pras fazendas do Paraná.
Adeodato
Foge, criminoso!
Que os que venceram dividiram
Não as culpas!
Mas tua terra e tua gente
Que quem vence não presta conta.
Foge, criminoso!
Que teu povo findou
Pra ti, agora, só a solidão
De todos os crimes
Que o diabo criou!#
7
LIBERTAÇÃO
Adeodato
“Aberração cabocla danada!”
É o livro do Doutor quem diz.
“Pena máxima! É a lei!”
Decreta o juiz.
“Trint´ano? Dô risada!”
A liberdade, agora, bem longe...
Adeodato
A Deus dado
Pela religião do Frei.
Cresceu
Na fé do Monge
Aos deuses dado
Elementais do Sertão.
Pelo Diabo criado
Na lei do cão.
“Adeodato
Foge, meu filho!
Vem pro Taió comigo
Juntar-te a teu povo amigo!
Serás livre por direito...”
Na fuga, seis balaços no peito.
Adeodato sorriu de novo...
Agora, não tinha mais jeito:
Era livre, enfim, pra encontrar seu povo!
*
VEJA E LEIA outros poetas de SANTA CATARINA em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/santa_catarina/santa_catarina.html
Página publicada em outubro de 2021
|